Rio - Farsa ou verdade? Os bastidores da investigação que colocou na cadeia o pastor Marcos Pereira mostram histórias de “pecados” que vão da manipulação de testemunhas ao uso de provas obtidas sem amparo legal. E escondem uma disputa ferrenha por dois territórios onde verbas públicas e privadas jorraram nos últimos anos, além de serem dois currais eleitorais de peso: os complexos do Alemão e da Penha.
A apuração policial colocou em lados opostos dois ex-amigos com vocação de resgatar traficantes do mundo do crime. De um lado, Marcos Pereira, acusado de estuprar ex-missionárias da sua igreja, a Assembleia de Deus dos Últimos Dias. De outro, o coordenador do grupo AfroReggae, José Júnior, que após denunciar o religioso por tramar a sua morte em parceria com o crime organizado, transformou assessores de seu grupo cultural em investigadores a serviço da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod).
EMPREGO E CASA PRÓPRIA
SEM APOIO LEGAL - Segundo os advogados, escutas divulgadas pela delegacia não foram autorizadas nos processos abertos por associação ao tráfico, estupro e coação de testemunhas. A acusação fala sobre interceptações, mas não há garantia de que as provas tenham sido obtidas legalmente.
CALADA DA NOITE - Cinco das principais testemunhas foram ouvidas tarde da noite e até de madrugada na Dcod. Em dois casos, depois da meia-noite. O expediente lá termina às 18h, como informam os plantonistas. Em um caso, o policial teve que ser chamado às pressas em casa.
DESCUIDO - Apesar de relatos de lavagem de dinheiro por parentes do traficante Márcio Nepomuceno e do pastor, não foram pedidas as quebras de sigilo financeiro e bancário. Testemunhas relatam contas em bancos e depósitos regulares (até R$ 50 mil). Só agora casos foram desmembrados.
PREGUIÇA - Testemunhas contaram que três pessoas foram mortas a mando do pastor e os corpos enterrados numa fazenda em Tinguá, Nova Iguaçu. Um ano depois, o local não foi vistoriado, e acusados tiveram tempo para eliminar evidências. Uma testemunha é, inclusive, ré confessa.
OLHOS FECHADOS - Um mesmo depoimento, que ganhou crédito por denunciar as farsas do pastor, foi ignorado pelos investigadores ao falar sobre ‘doações’ de dinheiro e bens públicos, feitos por três políticos importantes do estado — um deles, inclusive, é senador da República.
ESTACIONADO - Após um ano, a polícia ainda não descobriu o médico que seria responsável por fazer os abortos em vítimas de estupro que supostamente engravidaram do pastor. E isto apesar dos detalhes que as mulheres deram nos depoimentos e da facilidade de localizar o consultório.
Juíza criticou investigação
Aberto para investigar a ligação do pastor Marcos com o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, o inquérito na Dcod acabou se transformando em quatro processos — dois por estupro e dois por coação de testemunhas, sendo um deles já arquivado e, em outro, a vítima recuou na acusação e acusou os policiais de prepararem seu depoimento.
“Falei 10 minutos e preencheram quatro páginas. Assinei porque fiquei com medo”, acusa Elisângela Cardoso de Jesus, que gravou um recado no celular deixado por funcionária no AfroReggae, o qual classifica como ameaça:
“Te cuida que o Diabo está furioso”. Para Júnior, o pastor cometeu os crimes e deve continuar preso. “Ele é a mente do crime. Assim que soube dos casos, falei com ele e ele mandou eu não me meter. Passei um tempo e denunciei”.
Ostentação dá lugar a pousada
Alvo de ataques do tráfico de drogas, que, de acordo com José Júnior, foram motivadas pelo processo e prisão do pastor Marcos, a casa onde foi erguida a Pousada do AfroReggae pertenceu ao crime organizado. Foi residência do traficante François Soares Suassuna, o Jansen, e símbolo da ostentação do tráfico: era a única casa de três andares naquele pedaço da Grota.
Após a morte de Jansen pelos colegas, em 2008, o imóvel foi repassado até ser adquirido pelo AfroReggae para ser sede do Projeto Na Favela. Para Júnior, não existe relação entre os atentados e o ex-morador. “Ele (tráfico)não quer é que lance novo projeto na comunidade. E a causa: o pastor”.
JOSÉ JÚNIOR, coordenador do AfroReggae
Criou a ONG após a Chacina de Vigário Geral para dar opção de cultura às crianças, mas ganhou destaque nos últimos oito anos, ao promover a reintegração de presos na sociedade, através do Projeto Empregabilidade.
Transformou-se em parceiro de artistas e cabo eleitoral do governo Sérgio Cabral (a quem chama pelo primeiro nome) com a pacificação. Abriu portas a bancos e empresas nos complexos do Alemão e da Penha. O AfroReggae recebe verbas da União, do Estado e do Município, além de parcerias empresarias.
MARCOS PEREIRA, pastor da Igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias
Ex-garçom que se transformou no pastor dos bandidos regenerados e policiais, Marcos ganhou musculatura financeira e política na gestão dos governos Anthony e Rosinha Garotinho. Com acesso franqueado às cadeias, converteu inúmeros líderes de facções criminosas e se notabilizou nacionalmente ao acabar com a rebelião de presos na Cadeia de Benfica — que, agora, testemunhas dizem ter sido uma farsa. Seu sucesso nas áreas carentes (já ajudou candidatos a deputado) o aproximou de políticos de vários partidos.
Fonte: http://odia.ig.com.br
A apuração policial colocou em lados opostos dois ex-amigos com vocação de resgatar traficantes do mundo do crime. De um lado, Marcos Pereira, acusado de estuprar ex-missionárias da sua igreja, a Assembleia de Deus dos Últimos Dias. De outro, o coordenador do grupo AfroReggae, José Júnior, que após denunciar o religioso por tramar a sua morte em parceria com o crime organizado, transformou assessores de seu grupo cultural em investigadores a serviço da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod).
Um desses homens é o pastor Rogério Ribeiro Menezes. Ex-homem de confiança de Marcos Pereira, ele trocou a igreja pelo AfroReggae após ouvir os relatos da violência sexual que a mulher teria sofrido de Marcos Pereira por nove anos. Foi ele quem convenceu e levou — algumas vezes em seu próprio carro — todas as testemunhas à delegacia. Nem sempre de forma franciscana.
Numa gravação obtida pelo DIA , o religioso junto com o ex-traficante José Claudio Piuma, o Gaúcho, oferece emprego e casa para convencer uma pessoa a dizer na delegacia que o pastor estuprou a mulher e a filha, de 16 anos. E diz que tem autorização de José Júnior. “O Júnior já falou comigo novamente hoje... O que você, assim, pretender ajudar, eu assino embaixo... A gente arruma um emprego pra ele”.EMPREGO E CASA PRÓPRIA
Em outro trecho da gravação, feita através de uma escuta ambiental, Rogério e Gaúcho conversam com a testemunha:
“(Basta você dizer...) Rogério, eu quero morar em Jacarepaguá, Rogério, quero morar em Niterói. Tu já conhece e nós vemo (sic) uma casinha pra tu lá”.
Pouco depois, Gaúcho e Rogério enfatizam a promessa de emprego:
“Você tem trabalho, tem tudo...”, diz Gaúcho.
“De repente, no AfroReggae”, comenta Rogério.
“No AfroReggae mesmo”, prossegue Gaúcho.
“Tá entendendo, de carteira assinada lá no AfroReggae”, finalizou Rogério, diante da testemunha.
Pouco depois, Gaúcho e Rogério enfatizam a promessa de emprego:
“Você tem trabalho, tem tudo...”, diz Gaúcho.
“De repente, no AfroReggae”, comenta Rogério.
“No AfroReggae mesmo”, prossegue Gaúcho.
“Tá entendendo, de carteira assinada lá no AfroReggae”, finalizou Rogério, diante da testemunha.
José Júnior não enxerga conflito de interesses. Alega que a contratação obedeceu critérios profissionais e que é vítima de Marcos. “De todas as testemunhas, só duas ou três pessoas trabalham no AfroReggae. Elas denunciaram as violências que sofreram, os crimes que viram. Não há mentira”, sustenta.
Mas a coincidência passeou pelo caminho da investigação. Outra testemunha, no mesmo dia que começou a trabalhar no AfroReggae (6 de abril), foi levada pelo pastor Rogério à Dcod para acusar Marcos de encenar milagres e resgates de bandidos. E com um adendo: o depoimento aconteceu depois da meia-noite. Horário pouco convencional para uma delegacia especializada, com expediente reduzido e num inquérito que se arrastou por mais de um ano, mas que se repetiu. Ao todo, cinco pessoas foram ouvidas na polícia entre 22h e 1h.
OS 7 PECADOS CAPITAIS
PARCIALIDADE - Todas as testemunhas ouvidas no inquérito foram levadas por funcionários do AfroReggae, parte interessada na investigação. Algumas receberam a promessa de casa e emprego no próprio grupo cultural, onde cinco cumprem jornada regular de trabalho.SEM APOIO LEGAL - Segundo os advogados, escutas divulgadas pela delegacia não foram autorizadas nos processos abertos por associação ao tráfico, estupro e coação de testemunhas. A acusação fala sobre interceptações, mas não há garantia de que as provas tenham sido obtidas legalmente.
CALADA DA NOITE - Cinco das principais testemunhas foram ouvidas tarde da noite e até de madrugada na Dcod. Em dois casos, depois da meia-noite. O expediente lá termina às 18h, como informam os plantonistas. Em um caso, o policial teve que ser chamado às pressas em casa.
DESCUIDO - Apesar de relatos de lavagem de dinheiro por parentes do traficante Márcio Nepomuceno e do pastor, não foram pedidas as quebras de sigilo financeiro e bancário. Testemunhas relatam contas em bancos e depósitos regulares (até R$ 50 mil). Só agora casos foram desmembrados.
PREGUIÇA - Testemunhas contaram que três pessoas foram mortas a mando do pastor e os corpos enterrados numa fazenda em Tinguá, Nova Iguaçu. Um ano depois, o local não foi vistoriado, e acusados tiveram tempo para eliminar evidências. Uma testemunha é, inclusive, ré confessa.
OLHOS FECHADOS - Um mesmo depoimento, que ganhou crédito por denunciar as farsas do pastor, foi ignorado pelos investigadores ao falar sobre ‘doações’ de dinheiro e bens públicos, feitos por três políticos importantes do estado — um deles, inclusive, é senador da República.
ESTACIONADO - Após um ano, a polícia ainda não descobriu o médico que seria responsável por fazer os abortos em vítimas de estupro que supostamente engravidaram do pastor. E isto apesar dos detalhes que as mulheres deram nos depoimentos e da facilidade de localizar o consultório.
Juíza criticou investigação
Curiosidades no inquérito foram sublinhadas pela juíza Cláudia Pomarico Ribeiro, da 43ª Vara Criminal, ao negar o pedido de interceptação telefônica feito pelo delegado Márcio Mendonça. Após criticar a investigação, destacou que entre as pessoas a serem ouvidas, uma morreu em 2008.
A decisão da juíza alertou advogados de Marcos: como o delegado ouviu, supostamente, o pastor dizer que estava com ‘saudade do rabo’ de uma missionária se a autorização de escuta foi cancelada?
O delegado, que em outra ocasião aceitou vídeo editado e colocou na cadeia o líder comunitário da Rocinha Willian de Oliveira, não quis comentar. Alegou sigilo profissional.
Inquérito se transforma em 4 processosAberto para investigar a ligação do pastor Marcos com o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, o inquérito na Dcod acabou se transformando em quatro processos — dois por estupro e dois por coação de testemunhas, sendo um deles já arquivado e, em outro, a vítima recuou na acusação e acusou os policiais de prepararem seu depoimento.
“Falei 10 minutos e preencheram quatro páginas. Assinei porque fiquei com medo”, acusa Elisângela Cardoso de Jesus, que gravou um recado no celular deixado por funcionária no AfroReggae, o qual classifica como ameaça:
“Te cuida que o Diabo está furioso”. Para Júnior, o pastor cometeu os crimes e deve continuar preso. “Ele é a mente do crime. Assim que soube dos casos, falei com ele e ele mandou eu não me meter. Passei um tempo e denunciei”.
Ostentação dá lugar a pousada
Alvo de ataques do tráfico de drogas, que, de acordo com José Júnior, foram motivadas pelo processo e prisão do pastor Marcos, a casa onde foi erguida a Pousada do AfroReggae pertenceu ao crime organizado. Foi residência do traficante François Soares Suassuna, o Jansen, e símbolo da ostentação do tráfico: era a única casa de três andares naquele pedaço da Grota.
Após a morte de Jansen pelos colegas, em 2008, o imóvel foi repassado até ser adquirido pelo AfroReggae para ser sede do Projeto Na Favela. Para Júnior, não existe relação entre os atentados e o ex-morador. “Ele (tráfico)não quer é que lance novo projeto na comunidade. E a causa: o pastor”.
JOSÉ JÚNIOR, coordenador do AfroReggae
Criou a ONG após a Chacina de Vigário Geral para dar opção de cultura às crianças, mas ganhou destaque nos últimos oito anos, ao promover a reintegração de presos na sociedade, através do Projeto Empregabilidade.
Transformou-se em parceiro de artistas e cabo eleitoral do governo Sérgio Cabral (a quem chama pelo primeiro nome) com a pacificação. Abriu portas a bancos e empresas nos complexos do Alemão e da Penha. O AfroReggae recebe verbas da União, do Estado e do Município, além de parcerias empresarias.
MARCOS PEREIRA, pastor da Igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias
Ex-garçom que se transformou no pastor dos bandidos regenerados e policiais, Marcos ganhou musculatura financeira e política na gestão dos governos Anthony e Rosinha Garotinho. Com acesso franqueado às cadeias, converteu inúmeros líderes de facções criminosas e se notabilizou nacionalmente ao acabar com a rebelião de presos na Cadeia de Benfica — que, agora, testemunhas dizem ter sido uma farsa. Seu sucesso nas áreas carentes (já ajudou candidatos a deputado) o aproximou de políticos de vários partidos.
Fonte: http://odia.ig.com.br
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